Resumo: A Carta a d’Alembert tem por primeiro objeto responder a uma proposição (quase uma injunção) formulada por d’Alembert no artigo Genebra da Enciclopédia: é preciso abolir a interdição herdada de Calvino e estabelecer um teatro permanente em Genebra, pois isso contribuirá, segundo d’Alembert, a “formar o gosto dos cidadãos” genebrinos. A resposta de Rousseau, que poderia ser interpretada como aquela de um moralista que condena todo divertimento, elucida, na realidade, as verdadeiras apostas da polêmica. Quais são os laços entre prazer estético e costumes políticos? A arte em geral, o teatro em particular – de que Rousseau analisa a dimensão especificamente política – podem constituir cidadãos melhores?

Essa resposta é prova, inicialmente, de que ele não condena por princípio nem a arte, nem o teatro, nem o divertimento. Concentrando seu raciocínio nos efeitos políticos do teatro tomados “na sua perfeição” (a obra de Molière, e mais precisamente O misantropo), mostra que a ambição de desenvolver o civismo não pode se apoiar num espetáculo público de tipo teatral. Redigida e publicada em 1758, no período que separa suas duas obras políticas primordiais – o Discurso sobre a desigualdade (1755) e o Contrato social (1762) –, a Carta esclarece, assim, o Contrato social, então em via de redação. E inversamente: pode-se ler, no reflexo desse texto, os capítulos do Contrato social (principalmente I, 7 e II, 1) que propõem o problema da “generalização da vontade”, isto é, o que faz coincidir vontade particular e preocupação com o bem comum. Ademais, a Carta dá pistas para conceber um divertimento popular realmente favorável à formação de um espírito cívico. Sua leitura permite, portanto, compreender que as teses de Rousseau sobre os “princípios do direito político” estão ancoradas numa reflexão sobre a política concreta de seu tempo – de nosso tempo.

Aula aberta
Política do gosto e gosto da política