Biografias, por Ruy Castro

Até 1990, quando Chega de saudade foi publicado, nenhum livro sobre a música popular brasileira tinha atingido mais do que o público universitário. E isso porque eram ensaios musicais, interpretações sociológicas e análise de letras. Mas Ruy Castro fez diferente. Seu livro não era apenas sobre o movimento que transformou tudo em fins dos anos 1950, mas sobre as pessoas que tinham feito aquilo — um grupo de jovens modernos, talentosos e atrevidos. Embora morassem no Rio, eles refletiam os sonhos e as aspirações de seus iguais no país inteiro. Para isso, Ruy reconstituiu toda uma época — o Brasil de JK — e revelou o fascinante lado pessoal de artistas de quem pouco se sabia, como João Gilberto, Tom Jobim e Nara Leão. O livro foi um sucesso de público e fez com que a Bossa Nova, na época abandonada pelo mercado, voltasse aos palcos, às lojas de discos e ao coração das pessoas.

Da mesma forma, em 1992, Nelson Rodrigues, morto em 1980, estava esquecido. Não se discutia sua importância como dramaturgo, mas fazia-se isso de má vontade — os conservadores ainda viam o homem Nelson como um tarado, imoral e pornográfico, enquanto os liberais não o perdoavam por seu apoio ao regime militar. Ruy Castro mostrou em O anjo pornográfico que o verdadeiro Nelson estava muito além desse Fla-Flu. O livro revelou um Nelson libertário, cujas impressionantes tragédias pessoais e familiares forjaram a sua obra teatral, e que levou a vida lutando contra a censura vinda de todos os lados. Ao mesmo tempo, o livro conta como Nelson, um intelectual, foi tão influente no mundo do futebol, e como tudo que escrevia, por mais dramático, era também marcado pelo humor. A biografia deu origem ao relançamento no mercado da obra de Nelson fora do teatro e desfechou o seu reingresso na cultura brasileira.

Em 2005, Carmen Miranda, morta havia exatamente cinquenta anos, ainda era vista como uma artista brasileira que, tendo ido trabalhar nos Estados Unidos na época da Guerra, se “americanizara” e vendera uma imagem caricatural do Brasil, por seus turbantes com bananas e abacaxis. Ninguém mais falava de sua importância na construção do samba, da marchinha de Carnaval e do próprio Carnaval, e de como ela fora decisiva na criação do rádio, da indústria fonográfica e na valorização dos cantores brasileiros, com seus contratos no Cassino da Urca. Na verdade, nunca existira no Brasil uma mulher tão empoderada como Carmen. Ruy reconstruiu também o glamour do Rio dos anos 1920 e 30 — de que Carmen foi pioneira nos costumes —, da Broadway, de que ela foi estrela, e da Hollywood dos anos 1940 e 50, quando se consagrou mundialmente. O que não impediu que sua vida pessoal, marcada pela dependência de remédios tarja preta, a levasse a um desfecho dramático, até então nunca revelado em livro.

Nos últimos cem anos, fomos ensinados a acreditar que o Brasil de 1920 era um grande atraso do qual foi salvo por meia dúzia de intelectuais modernistas. Na verdade, enquanto esses intelectuais estavam preocupados em acabar com o soneto, um enorme grupo de artistas, escritores e jornalistas vindos de todas as partes do Brasil, mas sediados no Rio — a grande metrópole, com mais de 1 milhão de habitantes —, já estava mudando tudo, sem quermesses ou manifestos. Eles eram, entre outros, Di Cavalcanti, Manuel Bandeira, Pixinguinha, Gilka Machado, João do Rio, Lima Barreto, Roquette-Pinto, Cecília Meireles, J. Carlos, Mario Reis, Bertha Lutz, Ismael Nery e Villa-Lobos — todos ativos e criativos, ao mesmo tempo e na mesma cidade, revolucionando a arte, a ciência, a arquitetura, a política, a luta das mulheres, a cultura da praia etc. O livro de Ruy Castro, lançado em 2019, pode ter mudado o eixo do que se entendia pela modernidade no Brasil.

Metodologia: Em todas as aulas, Ruy Castro revelará seu método de trabalho, ressaltando a importância da pesquisa, da investigação e das entrevistas, de como organizar as informações e como efetivamente escrever cada um dos livros.

Este curso é oferecido on-line, as aulas irão acontecer ao vivo em uma reunião por videoconferência no Zoom através do Sympla Streaming. O participante deve ter idealmente um computador com câmera, microfone e acesso à internet — no celular a visualização de slides que o professor possa apresentar pode ficar comprometida. Além disso, é necessário instalar o Zoom no seu aparelho. O link para a transmissão será enviado por e-mail com a confirmação da inscrição. As aulas terão duração de 1h30 e a parte final da aula será direcionada às respostas das perguntas.